domingo, 7 de novembro de 2010

Vício Genuíno

Jurei que iria parar com isso. Precisava vencer mais uma das minhas compulsões: livros. Cheguei a quebrar o meu cartão de crédito para evitar a compra do objeto do meu vício pela internet, já que tinha me proibido de continuar frequentando livrarias várias vezes na semana. Bobagem. Acabei por solicitar novo cartão, o que me levou a gastar R$ 5,00 para obter o novo realizador dos meus desejos. Esse gasto me impediu de adquirir mais um livro. 

Há quem, para ter a noção do valor das coisas, faça comparações com o preço do barril de petróleo, o valor da cabeça de gado ou mesmo a cotação do dólar. Eu? Eu não. Eu faço contas com base em preço de livros. Não sou compulsiva pelo ato da compra em si, mas sim pelo poder de extrair o que de melhor há naquele calhamaço de letras, tão bem combinadas, tão bem floreadas; o alimento da minha imaginação. Meus grandes amigos, companheiros da minha infância, das minhas horas difíceis, regadas a dor, tédio e frustração. O que leio tem o condão de transmutar meus sentimentos, é minha pedra filosofal. 

Decidida a vencer o meu demônio interior, optei pelo desapego. Fiz uma varredura na minha estante e resolvi vender todos aqueles velhos amigos, que de amigos não tinham nada, mero conhecidos. Observei que tal qual na minha vida, precisava selecionar. Só mereciam ficar na estante aqueles que tivessem fina relação comigo; que agregassem, que transformassem, que gerassem perguntas que mereceriam a inspiração de algum escritor, para respondê-las por meio de novo livro.

Assim fiz e fui até um sebo para vendê-los. Para minha surpresa e um certo deleite pessoal, fui informada de que eles não tinham valor comercial, pois eram obras perecidas pelo tempo. Letra morta. Frutos de época, de fase, de golpes de marketing das editoras. Não eram obras de arte. Alívio. Sim, porque eu tive o discernimento de só permitir que os melhores ficassem. Desespero. Claro, ficou muito claro. Agora tinha direcionado meu vício para outro lugar, numa tentativa de enganar a mim mesma ou até, quem sabe, furtivamente, convencer-me que os livros são como o sangue que corre nas minhas veias, necessários para a minha vida. Iria frequentar assiduamente os sebos, não mais as livrarias. 

Senti-me tão acolhida, tal qual quando visitava minha avó no sítio em que ela vivia e a doce anciã fazia pães caseiros para serem cobertos com a manteiga que ela mesmo batia, transformando a nata doce do leite extraído da vaca da fazenda em pasta delicada e saborosa. Pude até sentir o cheiro do café fumegante, passado pela minha avó em filtros de pano.

No sebo recebi aulas de literatura e bibliofilia. Ouvi histórias emocionantes de como o saudoso José Mindlin adquiriu diversas obras para compor sua coleção de 38 mil exemplares. Fora os relatos de livros raros encontrados ao acaso em sebos; de leilões e obras que custaram fortunas. Um banho de cultura num ambiente impregnado pelas vozes de todos aqueles que vieram ao mundo para dizer alguma coisa. 

O dono do sebo comentou que aquilo era sua paixão, que sequer tinha grandes lucros. Comparou o seu negócio às agências de matrimônio. "Eu só proporciono o encontro. Você não quer mais, então deixa aqui. De repente aparece alguém interessado. Namora, pega na mão, pensa e um belo dia faz o convite e casa com o livro. Eu sou só o intermediário" E ainda complementou: "Livro bom é o que resiste ao tempo. Aquele que independe da época em que foi escrito, pois é capaz de atingir em cheio algo que se mexe dentro do leitor."

Comentei que eu escrevia e ele me deu um conselho: "Leia os autores consagrados, os que têm realmente valor literário. Neles você irá encontrar tudo o que precisa para escrever bem."

Uma certeza ficou: quero ser uma escritora cuja obra resiste ao tempo. Não me interessam os lucros colossais dos bestsellers de momento. Quero que meus escritos sobrevivam a mim e convidem o leitor, independente da época em que forem lidos, a tomar um bom café, acompanhado de pão e manteiga caseira, enquanto se delicia com a leitura.


3 comentários:

  1. Lindo, lindo. Amo sebos também. O Ricardo, meu filho mais velho já é um rato de sebo. Bjs e parabéns...

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  2. Adorei o post, Carol! Não vejo a hora de ler seu livro! Bj, Paula

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  3. Paula, obrigada pelo incentivo! Quem sabe um dia, meu futuro livro, seja objeto de discussão do nosso Bookworm!!! rs Bjs

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