sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Só quem já foi auditor/consultor de Big Four vai entender isso

Sexta-feira, 15h29min. Faltam 46 minutos para acabar o expediente. Estou sentada olhando a tela do computador e não tenho nem vontade de trabalhar e nem vontade de “morcegar”, fingindo que estou trabalhando. Já pesquisei tudo o que queria no Google. Já li desde sites de notícias importantes até matérias leves no estilo “como combinar meia-calça colorida no inverno para arrasar em um look fashion”.

Eis que olho pro lado, para a direção onde fica a mesa de um gerente que está de licença-saúde e vejo duas mulheres sentadas, de frente uma para outra, bastante compenetradas, trabalhando em seus notebooks.

Na área em que trabalho, todos temos desktops, logo, só podem ser terceiras, prestadoras de algum serviço pontual.

Resolvi observar, afinal o tédio me dominava. De onde eu estava, podia ver a tela do notebook da mulher que estava de costas pra mim. Planilha complexa em Excel. Ela, sentada de mau jeito, se contorcendo toda para conseguir trabalhar em posição tão desconfortável, já que não havia espaço para suas pernas embaixo da mesa. Coçadas na cabeça, revelando dúvida. Franzidas de testa. Deleta e apaga. Refaz. Que aflição...

A outra, sua colega, estava sentada bem confortável, na cadeira do gerente licenciado. A melhor cadeira. Giratória, macia e ampla. Tinha mais espaço na mesa também. Em cima e embaixo, para esticar as pernas, se quisesse, até, quem sabe, provocar câimbra na panturrilha. Tinha um semblante de paz, de tranquilidade. Que sossego...

A Sossegada falou algo que não pude ouvir. A Aflita então se abaixou abrindo uma mala de viagem, de rodinhas. Tirou de dentro vários papéis, uma garrafa de um litro de água e a fonte de alimentação do notebook. Não a que lhe pertencia, mas a do computador da Sossegada.

Procurou a tomada, plugou a fonte. Serviu água. Leu documentos. Discutiu o que leu e entregou para a Sossegada. Voltou para a sua posição de contorcionista, agora tentando fazer a meia lótus da Yoga, pra ver se aliviava a dor nas pernas. Cara de aflição.

Neste momento virei para meu colega e perguntei: “as duas mulheres na mesa do gerente licenciado são auditoras, né?”

Meu colega responde: “sim, são auditores de SOX.”

Então sorri, num misto de “triste constatação” com “agradecimento por não fazer mais parte disso” e disse a ele: A Sossegada é a auditora sênior. A Aflita ou é trainee, ou é auditora pleno ou júnior, mas a responsável pelo trabalho é a Sossegada. Quem de nossa equipe está atendendo elas?"

Meu colega respondeu que ainda não estavam analisando nossa área, mas referiu quem de outro departamento estava fornecendo documentos no momento.

Para complementar, relatei a ele detalhes do que havia observado e ainda aproveitei para dizer: “posso apostar que quem sempre vai pedir os documentos para o nosso pessoal interno é a Aflita. Está muito evidente a ‘hierarquia e o modo de trabalho Big Four’.”

Meu colega não aguentou. Virou-se para mim e disse: “assim não vale!. Você deve ter conversado com seu chefe antes e agora está me dizendo tudo isso só pra me impressionar!!! Realmente quem sempre pede documentação é a Aflita! Ou então, você é muito perspicaz pra ter percebido tudo isso sozinha!”

Infelizmente tive que responder que de perspicácia, minhas observações não tinham nada, foram as marcas do caminho.

É, tudo é dual.

As melhores histórias, as melhores brincadeiras, as melhores viagens de trabalho. Amigos inesquecíveis. Intensivo em conhecimento, três anos em um. Uma novidade por dia. Oportunidades únicas de desenvolvimento pessoal e profissional. Investimento em estudo. Acompanhamento individual de carreira.

Muita cobrança. Perfeccionismo. Competição. Falta de bom-senso, de empatia e carinho pelo ser humano. Desrespeito às necessidades básicas: comer, dormir, sentar-se direito, lazer, família. Falta de respeito aos limites individuais.

E a tal da “pirâmide”. A famosa “pirâmide hierárquica”, que me fez em trinta segundos perceber quem era quem, na mesa do gerente licenciado e que acabou gerando uma pequena reflexão, piegas, mas sempre, reflexão.

Onde quer que a gente vá, a única coisa que levamos é o que aprendemos com nossas experiências. E isso, como tudo, também é dual. O importante é lembrarmos com saudades dos momentos de felicidade e alegria e utilizarmos os momentos de sofrimento e dor, como exemplo do que não queremos mais que faça parte da nossa vida.

Um comentário:

  1. Gosto de observar as pessoas também, mas, diferente de você, que constata o que conhece, eu divago, divago... Belo texto, querida!

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