sexta-feira, 23 de julho de 2010

Eu “me finava” e você?

Sempre que escuto a expressão “eu me finava quando era pequena” tenho sentimentos peculiares. Há a sensação de saudade, “de volta pra casa”, porque para usar esta expressão a pessoa tem que ser gaúcha ou pelo menos ter vivido no Rio Grande do Sul, ao mesmo tempo em que sinto um orgulho bairrista egoísta e, diga-se de passagem, nada nobre, admito, de saber que nenhum dos “não-gaúchos” participantes do diálogo sabe o que aquilo significa, acompanhado de um sentimento de identificação psicológica: encontrei alguém que fazia algo que eu já fiz quando era criança!!!

Certo dia, estávamos em minha casa, comendo fondue, uma amiga paulista, uma amiga gaúcha e seus pais, também deste Estado e eu. Conversávamos sobre trivialidades quando os pais de minha amiga gaúcha começaram a relatar sua experiência em terem sido pais de uma criança que “se finava”, a minha amiga.

O engraçado da história era ver a perplexidade da minha amiga paulista e o esforço para entender a expressão “se finar”. E os comentários dela ao final: “minha irmã é pediatra e nunca comentou sobre crianças que se finam. Será que isso acontece só no Rio Grande do Sul ou em São Paulo tem outro nome?” “Não me lembro de ninguém que se finava lá em casa...”

Rimos muito, principalmente porque eles comentaram que o pediatra dizia que “pior do que aguentar criança que se fina é aturar a mãe delas”.

Comentei a história com minha mãe e ela, aos risos, relatou-me: “Tu te finavas!!! Tu não vais lembrar, tu eras muito pequena!!! E aconteceu várias vezes...Eu resolvi o problema sem querer, tu não vais acreditar! Uma vez tu estavas te finando...eu fiquei completamente desesperada e saí correndo contigo no colo, tu tinhas uns três anos...na corrida e no pânico, sem querer, bati a tua testa na porta de correr que tinha entre a sala de estar e a cozinha....finalmente tu conseguiste chorar e depois daquilo, graças a Deus, nunca mais te finaste...serviu de lição...” (OBS.: não tive coragem de escrever como falamos...a gente não conjuga o verbo na segunda pessoa, rs).

“Finar-se” significa, segundo o iDicionário Aulete de Língua Portuguesa: acabar; findar; perder vitalidade, força; consumir-se; delibitar-se; chegar ao final; encerrar atividade, ciclo, existência.

Esta expressão é utilizada no Rio Grande do Sul como sinônimo para “espasmo do choro ou do soluço”, também conhecido popularmente como “crise de perda do fôlego”. Atinge bebês e crianças de zero a quatro anos.


Esta situação ocorre quando a criança leva um susto, é contrariada ou sofre uma frustração, então, para chamar a atenção dos pais, numa espécie de “chantagem sem palavras”, ela prende a respiração até desmaiar. Normalmente isso acontece em conjunto com o choro. É como se o choro fosse tão forte que a criança ficasse temporariamente incapaz de respirar. Algumas chegam a ficar roxas, desmaiam, viram os olhos, mexem desgovernadamente os braços e as pernas, geralmente assustando muito os pais. Parece, para quem assiste, um evento antecedente a uma convulsão, que na verdade, não ocorre nem nunca ocorrerá, pois nunca foi identificado pelos médicos nenhuma alteração elétrica no cérebro, para esses espasmos do choro.

















Reza a lenda, que os bebês vítimas de “crise de perda do fôlego” também são vítimas de pais ansiosos e controladores.

Não existe tratamento eficaz e não há sequelas, é somente um estado transitório.

O que mais evita as crises é a conservação de um ambiente sereno e equilibrado e o diálogo e interação com a criança para que ela possa lidar melhor com as contrariedades sem se utilizar deste expediente, digamos, “mesquinho”.

Para que a crise passe, quem estiver com a criança pode soprar seu rostinho, colocar o dedo em sua boca mexendo na língua, beliscar levemente os pés do infante ou mesmo virá-lo de cabeça para baixo.

Ou fazer como a minha mãe...que saiu correndo tão desesperada, achando que a filha ía morrer, que perdeu a noção básica das leis da física (dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço, lembram?)...Graças ao galo na testa, parei de “me finar” e comecei, certamente, a fazer outros tipos de chantagem emocional...provavelmente optei por alternativas que tinham mais “garbo e elegância”!!!

Obrigada mãe, por ter aguentado isso!!!

5 comentários:

  1. Olá,
    Não conhecia essa expressão.Realmente é uma relíquea.Gostei.
    Um abraço.

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  2. Então tá! Eu já imaginava ser controladora, mas não a ponto de fazer minha filha se "finar". Aprendi muito, mas ri muito também. Guardamos com carinho aquela noite no coração. Meu carinho e meus parabéns pela beleza de blog que estás construindo, a começar pelo nome. Bjs

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  3. Su!

    Por isso que escrevi "reza a lenda"... vai saber né, é tão subjetivo, rs
    Aquele jantar foi muito legal e minha casa está sempre de portas abertas para repetirmos os encontros!
    Obrigada pelo incentivo em relação ao blog!!! Inclusive, tenho acompanhado o seu e cito ele na minha listinha!
    Abraços,

    Carol

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  4. rsrsrsr
    Carol, adorei o texto, so acho que vc esqueceu de colocar uma informação relevantissima: que somente pessoas com QI muito alto "se finam"... rsrsr Viu, mãe, quem mandou dar a luz a uma genia... rsrsrsr

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  5. Eu e a mãe da Carol geramos dois turbilhões. Vai saber o que vão aprontar ainda...

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