domingo, 26 de setembro de 2010

Teatro - a felicidade do NÃO-SER

No momento em que um ator entra em cena, a personalidade real que anima aquela personagem de ficção passa a não existir, pelo tempo que durar a interpretação. É como se o Eu-Consciente do ator ficasse ali, atrás das cortinas pesadas e discretas do teatro, apenas assistindo a performance, sem intervir diretamente nas expressões emocionais daquele corpo que está sendo observado pelo público.



Não, não se trata de apenas contemplação. O Eu-Consciente do ator pode a qualquer momento intervir, contribuindo sutilmente com sua bagagem de experiência de vida, para que a personagem atinja a sua plenitude artística, tocando profundamente a alma de quem, compenetrado, observa. É um transe, quase religioso, diria até que mediúnico.


Todavia, caso a intervenção do Eu-Consciente seja deveras enfática,  a felicidade do NÃO-SER daquela personalidade desaparece, surgindo em seu lugar, uma leve artificialidade. Teremos um ator a espreitar o público, buscando por um sinal de aprovação, ora demonstrando as fraquezas de seu ego, clamando teimosamente por repetir certa frase que não se encaixa na cena, ora a transmitir preocupação com seu desempenho, num leve franzir de testa,  destoando da situação encenada e denunciando a volta do SER.

Acredito que o que torna sublime para o ator a experiência de interpretar seja justamente a possibilidade de, naquele pequeno espaço de tempo, deixar de existir, apenas NÃO-SER. 

Quem não existe, não sofre, não fracassa, não está sujeito as vicissitudes da vida, porque NÃO É. Ademais, caso aquele corpo animado por aquela personalidade momentânea, que é a personagem, faça algo não digno de aprovação, lá estará preservada e intacta a felicidade do NÃO SER. Não fui eu, foi o personagem que eu interpretei, pode dizer o ator.

Sempre acreditei que o prazer maior de um ator deveria ser o fato de poder viver o que ele quiser. Morrer toda semana, casar todo mês. Hoje rei, amanhã mendigo, depois...ah, depois, quem vai saber, talvez um humilde vendedor de jornal ou o próximo presidente do Brasil.


Pareceu-me, entretanto, que além desse prazer da diversidade, há outro, mais pleno, a felicidade de NÃO-SER você mesmo, nem que por um curto espaço de tempo. 

Férias, férias de si mesmo, nem que seja sob o olhar dominador e consciente do próprio Eu.


4 comentários:

  1. Oi, sou o Leonardo, o "Dom Catarone" (risos), do workshop, gostei bastante do seu blog, você escreve muito bem, adorei esta parte que fala do teatro e como mudou sua vida, te mandei um e-mail com informações da peça do diretor Mauricio e do lugar onde eu faço o Teatro Vocacional...espero que goste.

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  2. Carol, você está cada vez melhor. Publica logo!!!! Preciso saber tudo desse workshop! bjs

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  3. Edgard, seu blog é ótimo! Você escreve frases bem profundas...adorei.

    Amigos, obrigada!

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